quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Namburbûs e Tabernas

Absolutamente genial observar os registros históricos e a trajetória dos ritos sociais, que
envolvem o ato de comer e beber.
Ressalvadas as devidas alterações diria eu, tudo se mantém absolutamente atual.
"O que traduzimos por taberna ou taverna,  palavra de origem grega que significa abrigo; existiu em cada povoado mesopotâmico  desde, pelo  menos, o segundo milênio.
  Era frequentada pelos viajantes e também pelos habitantes do lugar, que lá podiam comer e sobretudo beber, em boa companhia.
 A clientela destes estabelecimentos era, sobretudo masculina, mas frequentemente
 eles eram dirigidos por mulheres: a "taberneira". (. . .)
A função social desses estabelecimentos aparece claramente  em rituais de
purificação chamados namburbû.
Estes mostravam que indivíduos eram submetidos a uma cerimônia de exorcismo para se libertar de impurezas físicas ou morais, devendo uma  vez liberados destas impurezas, antes
 de voltar para seu domicílio, passar pela taberna e se juntar com os clientes que ali se encontravam: assim eles se reintegravam simbolicamente na sociedade.(. . .)"  
Retirei esse fragmento do capítulo II do livro A história da alimentação - Festejos da taberna.
Lendo essa passagem do livro percebi que constantemente passamos pelos nossos "namburbûs" 
e que no final daquele dia interminável, onde parece que os problemas
 vieram ver você exatamente todos ao mesmo tempo... tudo o que você quer, é  mesmo
 um namburbû seguido da ressocialização, bem lenta e suave,
 na companhia de seus amigos.
Ah e como é bom ser acolhido pelo taberneiro, sabendo que há ali aquele bom caneco de cerveja bem
gelada, que vai literalmente  exorcizar de vez com seu dia ruim.
A "taberna" evolui muito, pois deixou de ser apenas um esconderijo sombrio que oferecia  cerveja, vinho e sidra, acompanhada por porções de comidas simples como: pães, carnes salgadas
 e sopas para,  ganhar visibilidade.
 Hoje ocupa grandes casarões muito bem localizados, possui uma atmosfera cuidadosamente projetada para que seus frequentadores confraternizem, os canecos foram substituídos por belas taças, copos exóticos e personalizados; as bebidas se internacionalizaram, ganharam uma qualidade absurda; a comida hoje tem base em receitas originárias deste vasto e maravilhoso mundo, repleto de culturas diversas...
Ahh  é aí que eu me perco!!! 

Por certo que a taberna foi idealizada inicialmente com puro intuito de prazer, deu tão certo, que ganhou rapidamente o status de um local seguro para o descanso de comerciantes, viajantes e peregrinos; mas o que deveria ser somente diversão, acabou por virar um grande negócio
e instituir o início das hospedarias e  albergues, que com passar do tempo, acrescentaram
padrão e qualidade sem descuidar das principais características: socialização
 e  baixo custo.

 Então, devemos também a taberna, os atuais fantásticos e modernos hostels, que atualmente encontramos espalhados pelo mundo todo e cada dia mais, caem no gosto daqueles que tem olhos e ouvidos atentos ao mundo e aos ganhos que a convivência social nos fornece.

A história das tabernas é tão singular quando analisada, que vai dos ritos de libertação dos sacrifícios, deveres morais e aflições diárias dos homens aos primeiros atos de afirmação da
 mulher, que na taberna encontrava o poder de dizer "não" a submissão e o
excessivo recato que lhe era imposto na época.
Ainda que lá estivesse para servir e divertir os homens; na taberna a mulher bebia, divertia-se e tinha o direito de ser senhora dos seu atos, pois como  diziam  na época:
  "Aqui todos são filhos de Baco e todos são iguais perante o vinho, a cerveja e sidra; a única lei é entregar-se ao deleite".
 Eu sou suspeita ... adoro esses ambientes onde há  interação, onde as pessoas compartilham
 o que temos de melhor: ideias diferentes.
Eu também acho, que uma bebida é capaz de remover a tensão das piores situações e fazer
 você ver que a vida não pode ser tão levada a sério.
Me perdoem os mais rabugentos, mas pegue aquele sujeito intratável e o coloque diante de um estupenda refeição, e não me refiro aqui a um prato requintado, falo de comida
simples e bem feita como por exemplo: um ossobuco, regado a pão e um bom vinho ou uma cerveja bem encorpada; deixe ele comer e beber um pouco e depois retome a conversa.
Eu garanto, o sujeito será outro!
Meus caros, não há criatura nesse mundo, que se mantenha impassível diante da boa mesa.
Comer e beber são prazeres divinos com os quais fomos agraciados.
Benditas essa tabernas que mudaram  e continuam a mudar o mundo, toda vez que reúnem o "Homem" com seu semelhante a fim de conviver, compartilhar, debater, evoluir.

Por que desta convivência, nasce a curiosidade por um outro idioma, um outro
país, um outro ponto de vista ...
Enfim um "outro", que não sou "eu"!
          
                                                                     Ione Avelar

Ahh! Já ia esquecendo, mas preciso muito dizer que mais perfeito só se for:
"comer, beber, rezar e amar!" como diz Elizabeth Gilbert em seu livro.
Ela só suprimiu uma parte importantíssima do titulo: o beber.
Eu não dispenso!
 Rssss







                                     



















Fotos: Ione Avelar

Poema goliardo In taberna quando sumus (Amatoria. Potatoria. Lusoria 177 – fol.88b)
Quando estamos na taberna,
Não pensamos na morte,
Corremos a jogar, 
O que nos faz sempre suar.
O que se passa na taberna,
Onde o dinheiro é hospedeiro,
Podeis querer saber,
Escutai pois o que eu digo.
Uns jogam,
Uns bebem
 Uns vivem licensiosamente.
Mas dos que jogam,
Uns ficam em pêlo,
 Uns ganham aqui suas roupas,
Uns se vestem com sacos.
 Aqui ninguem teme a morte,
 Mas todos jogam por Baco :
Primeiro ao mercador de vinho
 É que bebem os libertinos;
Uma vez aos prisioneiros,
Depois bebem três vezes aos vivos,
 Quatro a todos os cristãos,
Cinco aos fiéis defuntos,
 Seis às irmãs perdidas,
Sete aos guardas florestais,
 Oito aos irmãos desgarrados,
 Nove aos monges errantes,
Dez aos brigões, doze aos penitentes,
 Treze aos viajantes.
Tanto aos Papa quanto ao rei,
Bebem todos sem lei.