quinta-feira, 18 de junho de 2015

Le pacte ou Hipócrates; um convite a reflexão!

Todo ano espero ansiosamente pelo Festival Varilux de Cinema Francês e sempre figuram entre as exibições grandes filmes que me cativam completamente.
Nesta edição de 2015 um dos destaques em minha opinião foi "Le Pacte"
ou "Hipócrates" como foi traduzido.
Dono de um enredo fascinante, o filme aborda questões muito interessantes; uma delas é a tradicional tendência dos filhos de espelharem-se em seus genitores.
Ainda jovens, estes se vêem frequentemente pressionados a propagar as escolhas profissionais de seus pais; sem ao menos possuírem uma noção real desse universo. 
Geralmente pais e filhos pertencem a gerações distintas  e consequentemente, possuem valores divergentes em função de suas experiências e aprendizados.
Em minha opinião, os filhos costumam ser edições revisadas de seus pais e o
 filme discute majestosamente esse viés e vai ainda mais longe.
 Fala com uma enorme sutileza sobre o protecionismo existente nas corporações; coloca em discussão a notória  ética de classes, onde os "pares" jamais ousam
apontar falhas humanas de seus colegas, a menos que estas  tenham inadvertidamente "vazado" para fora da "comunidade local"; e neste caso, relata a conhecida
fórmula de responsabilizar o lado mais conveniente e mais frágil. 
Ressalta a máxima de que perde, quem pode menos...
Le pacte é antes de tudo um alerta social, um grito desesperado tentando se impor a um sistema que tende a fazer com que o corpo clínico pense e aja baseado
em estatísticas, custos e rentabilidade.
É uma tentativa de humanizar o profissional que pode e deve, impor-se sempre
 que o direito a dignidade esteja cedendo lugar as mazelas do mundo corporativo.
Sabemos todos que não é um universo que repousa em águas calmas; pois
as questões financeiras sobrepõem-se de forma indiscutível.
Sem dinheiro, quase nada se faz neste mundo...
Mas sem humanidade aí mesmo, é que não  nos resta nenhuma chance!
O filme cumpre impecavelmente com sua pretensão; nos faz refletir sobre o quanto somos capazes de exercitar nossa empatia, sobre o quanto somos capazes
de assumirmos posições que vão nos remover de nossas zonas de conforto em prol do outro, sobre o quanto conseguiríamos manter nossa fria imparcialidade se
 estivéssemos do outro lado da questão e esta envolvesse nossos entes queridos ...
Deixo uma palavra para "Le Pacte":
Valores!!!
Super recomendo o filme e já aproveito a deixa e faço minhas as palavras de Rubem Alves que tão bem retrata esse universo no capítulo "Morte" do seu livro: Ostra Feliz não faz pérola, que tanto amo.


O direito de morrer
                                                         

"A vida humana, diferente da vida dos bichos e das plantas, que se mede por sinais biológicos e elétricos, se mede pela possibilidade de alegria que ela contém.
Quando essa possibilidade não mais existe, têm os homens o direito de exigir que
 a sua vida biológica não seja mantida por meios heróicos, porque
cada homem é senhor de sua vida.
Há uma hora em que o corpo e a alma desejam partir.
Não se deve impedi-los na sua decisão, por meio da força.

Fazer isso seria uma crueldade que não se pode admitir."  

Por que eu fecho os olhos?

Uma das coisas que mais gosto de fazer é refletir.
Não tenho conta do número de vezes que me flagro em auto-analise e o resultado é sempre "interessante".
Não há nada melhor que conhecermos nossa essência; para isso é preciso
 mergulharmos profundamente na própria percepção.
Eu sempre que tenho contato físico com algo que me agrada demasiadamente, fecho os olhos.
Concluí que assim procedo para que nada interfira em minha apreciação; instintivamente o faço, deixando que meus sentidos fiquem ébrios com cada sensação recebida.
E como é bom...
É aquele instante perfeito onde minha boca, é tomada por exemplo pelo vinho, café ou um queijo que a invade  completamente despertando  memórias gustativas e
 inicialmente vejo-me perplexamente envolvida em apenas decifrá-las.
O momento é breve, mas singular... e tudo em meu entorno desparece.
Cada dia mais essa "particularidade" se acentua e por vezes me coloca em
 situações inusitadas e absurdamente interessantes.
Eu diria que é no mínimo instigante; quando alguém resolve experimentar algo para entender o que exatamente foi aquela sua expressão, e vou além; é absolutamente inigualável a conversa
genial que resulta da troca de impressões entre duas criaturas com memórias sensitivas distintas que partilham uma mesma experiência.
E não é que tudo isso advém do simples ato de fechar os olhos...
Pois é, para minha pessoa tudo começa pelo olhar, é a partir dele que germinam todos
os desejos, aguçam-se as curiosidades, mas a evolução mesmo está exatamente em ceder espaço para que os outros sentidos completem o percurso do que o olhar deliberadamente iniciou.
É por isso que fecho os olhos para tudo que me é especial!




                                                                      Foto: Ione Avelar

quarta-feira, 17 de junho de 2015

Dos meus riscos e rabiscos...

Sempre que leio, uso lápis para rabiscar em meus livros fragmentos que me despertam sentimentos.
Desde criança gostava da biblioteca da escola e muito me dei
ao deleite  com livros  que nunca esqueci.
Li todos os Pollyanna, numa outra fase amava Agatha Christie, colecionei Raffles comecei com o Ladrão de Blacktie, li muito Machado de Assis,  era fascinada pelas excentricidades de Robin Cook li todos seus livros, mergulhei no mundo da poesia com Mário Quintana, Drummond e Neruda.
Fui assinante do "círculo do livro" que conheci pelas mãos de minha mana mais velha que teve
 sua cota de responsabilidade  nessa minha eterna paixão pelos livros.
Para minha pessoa ler e escrever sempre andaram de mãos dadas.
Eu colecionei papel de carta, e sempre adorei cartões postais; e quer saber?
Sinto uma falta gigantesca dessas pequenas sutilezas que caíram em desuso.
Provavelmente isso é mesmo coisa de quem ama ler e não consegue viver sem escrever.
É nesse universo que me expresso e me leio muito em: Martha Medeiros, Rubem Alves, Drummond, Fernando Pessoa e uma infinidade de outros autores que me fazem circular com o lápis aquelas coisas que  digo: "Nossa... eu já pensei nisso e como eu gostaria de tê-lo escrito!"
Eu gosto da tecnologia e não me imagino sem ela, mas uma carta...
Um texto que germinou a partir de seu sentimentos e impressões...
Não há nada igual!
                            E então faço a seguir uso das palavras de meu amado Rubem Alves:

"Um telefonema não é uma carta falada.
Pois lhe falta o essencial: o silêncio da solidão, a calma da caneta pousada sobre a mesa que espera e escolhe pensamentos e palavras.
O telefone põe a solidão a perder.
A diferença entre a carta e o telefone é simples.
O telefone é impositivo.
A conversa tem que acontecer naquele momento.
Falta-lhe o ingrediente essencial da palavra que é dita sem esperar resposta, e uma vez terminado ficam os dois amantes de mãos vazias.
O telefonema não pode esperar.
A carta é paciente...
Guarda suas palavras.
E, depois de lida, pode ser relida.
Ou simplesmente acariciada.
Poderá haver coisa mais terna?"

Fragmento do livro: Do universo a jabuticaba



                                                                      Foto: Ione Avelar